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5 músicas engajadas que só fazem mal para a própria causa

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Alô cantor de sucesso nas paradas! Ficamos muito contentes que você tenha resolvido deixar por uns instante suas composições sobre bebedeiras ou namoro e se dedicar a cantar as mazelas do país. Mas, infelizmente, temos que alertar que você não é o Cazuza, o Ultraje a Rigor ou o Legião Urbana, muito menos o Caetano Veloso ou Chico Buarque, então, assim, quem sabe, essa sua música de protesto acabe é fazendo mal para a causa. O Puxa listou cinco dessas.

do Vinício dos Santos

#5 Seu Jorge – Zé do Caroço

Escrita pela Leci Brandão, “Zé do Caroço” conta a história de um líder comunitário no Rio de Janeiro, que trabalha na feira e ajuda sua comunidade. Na parte mais corajosa, a música enfia o dedo na ferida e diz “E na hora que a televisão brasileira / destrói toda gente com sua novela”.


Mas veja bem… se você quer cantar sobre como as novelas fazem mal para a população – e, claro, estamos falando das novelas da Globo, as da Record só fazem mal para os próprios atores – não custa tomar o cuidado de checar se você não está em nenhuma delas. E o Seu Jorge teve músicas incluídas nas últimas três novelas das nove, e, caham, canta o tema de abertura de Salve Jorge, exibida atualmente. Essa gravação de “Zé do Caroço” já tem alguns anos e, quem sabe, naquela altura, Seu Jorge não tivesse pensado em cantar para novela nenhuma, mas se ele ainda cantar essas nos shows, não custa uma mea-culpa: “Na hora que a televisão brasileira / destrói toda gente com sua novela / eu ajudo porque preciso colocar comida na mesa”.

#4 Rap Brasil – “Eu só quero é ser feliz”

Um dos hinos do rap dos anos 90, “Eu só quero é ser feliz” fala dos desejos dos moradores da favela em levar uma vida tranqüila em sua comunidade, longe da violência. Talvez vocês se lembrem dessa música quando cantava que queria beijar a Xuxa na boca e transar com a Claudia Liz (a Claudia Liz já tem mais de 40 anos, meu Deus).


Mas veja bem… se você fosse pobre, gostaria de ser rico ou de ser pobre num lugar todinho seu? Pois é esse o desejo de “Eu só quero é ser feliz”. Esqueça melhores salários, mais saúde, uma casa mais confortável, educação de qualidade – só o que uma favela precisa é não ser metralhada o tempo inteiro, e tá tudo bem. Não sei vocês, mas acho que existe uma coisa para dar mais orgulho ainda do que o pobre ter seu lugar: é ninguém ser pobre em lugar nenhum.

#3 As Meninas – “Xibom bom bom”

Hit do Axé, “Xibom bombom” é uma música plenamente engajada: primeiro, porque resumo em oito versos todo O Capital de Marx; segundo, porque a banda tinha 28 mulheres, gerando emprego e renda para dezenas de famílias.



Mas veja bem… diferente do resto dessa lista, a letra de “Xibom bombom” não tem um engajamento patético. O de cima sobe e o de baixo desce podia até funcionar como música de cursinho para o vestibular. O galho mesmo é a música ter sido gravada no único ritmo para o qual as pessoas simplesmente estão cagando sobre o que as letras falam: o axé. Ninguém que foi atrás de um trio elétrico em Salvador deve ter voltado para São Paulo com uma consciência de classe por causa dessa música, porque estava preocupado demais transmitindo sapinho. Aliás, nem mesmo As meninas tem muita noção do que gravaram, já que o videoclip mostra um colégio de freira com uns meninos querendo ver as colegas peladas. Fica a dica para uma regravação do Chico Buarque.

#2 Dominó – Pê da Vida

O Dominó, formado por Afonso, Nill, Marcelo, Marcos, Huguinho, Zezinho e Luizinho, estava estourado nos anos 80 depois de dois LPs e, aproveitando da fama e de todos os milk-shakes que podiam tomar, gravaram, no terceiro álbum “To pê da vida”, uma canção sobre tudo que andava errado no mundo.



Mas veja bem… eram os anos 80, tinha MUITA coisa errada no mundo: fim da guerra fria, hiper inflação, AIDS, fome na África, e o Dominó achou que podia falar sobre isso, enquanto fazia “uououo” e era gerenciado pelo Gugu. “To pê da vida” é uma colagem de lugares comuns, atira para todos os lados e parece uma daquelas pessoas que reclama no Facebook que trabalha direito enquanto bandido vai em cana e recebe auxilio reclusão. No fundo, acho que enganaram Nil e companhia: alguém deve ter dito que para mudar o mundo se precisava de um enorme efeito dominó de bons exemplos, e a banda achou que era com eles.

#1 Xuxa – “Brincar de Índio”

Xuxa cantando sobre índios. Já posso pular para o “mas veja bem…”


Mas veja bem… as pessoas ficaram chocadas com a tragédia dos guarani kaiowá, mas vai por mim, isso não chega nem perto do que é essa música da Xuxa. “Brincar de índio” queria ser uma homenagem, mas a letra tem tanto clichê que quem escreveu essa música só pode ter se inspirado em bonequinhos do Forte Apache. Para ajudar, “Brincar de índio” caiu como uma luva nessa bela tradição de escolas de comemorarem o Dia do Índio em 19 de abril, que leva todos à reflexão sobre o tema, especialmente das mães que pensam “como eu tiro essa merda de tinta da cara do meu filho agora?”.

Mas numa coisa a Xuxa acertou: dançando essa vergonha no palco, deixou os índios cheios de orgulho por não serem homens brancos.

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Vinício dos Santos é um renomado ninguém. Volta e meia é confundido com outras pessoas, as quais ele só pode pedir desculpas e desejar melhoras. É o idealizador e quem mais posta no Puxa Cachorra!, o que revela muito sobre ele, e ainda mais sobre os outros membros. Escreve também para o Coisas Crônicas e é autor do romance Explo - pedra e picaretagem.

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