Um amigo meu costuma dizer que você sabe que se tornou um adulto quando caiu xampu no seu olho e não ardeu. Esqueça trabalho, família, responsabilidades: é seu corpo quem vai te dizer se você largou a infância e a adolescência para trás, mas pena que não faz isso te dando super-poderes, mas te impedindo de fazer um monte de coisas. Para te lembrar que você não tem mais doze anos, o Puxa listou cinco coisas que seu corpo podia fazer quando era criança e hoje não pode mais.
Observação:escrevemos pensando no adulto médio, que trabalha das oito as seis e pega duas condução para voltar da firma. Se você é um triatleta que não passa por nada dessas coisas, aconselhamos você a ir cuidar da sua inscrição nos Jogos Mundiais de Verão do Esporte Espetacular. Obrigado.
#5 Pular coisas
Quando você era criança…era capaz de subir na estante da sala e saltar em cima do sofá, fazendo balançar dois porta-retratos da sua mãe, que entrava louca na sala. Aí você esperava ela sair e ia pular na cama de casal, só parando quando ouvia aquele crec do estrado de madeira, responsável por 35% dos casos de abandono de filhos no país. Muros, bancos, janelas, árvores, tudo podia ser pulado. Seu sonho era pegar um ônibus sozinho só para descer dele pulando.
Também queria voltar no tempo para subir em bonde andando
Mas depois de tantas primaveras… você não pode nem ficar em pé em cima da cama pra tocar uma lâmpada que sua perna já fica bamba e você vislumbra a quina da cômoda se aproximando da sua testa. Subir em móvel te dá vertigem. Você não salta mais: encolhe suas pernas para cima rezando para gravidade trazê-las de volta logo. E a única coisa em movimento que você consegue pular são as propagandas no youtube, e olha lá.
#4 Chorar
Quando você era criança… podia e conseguia chorar por qualquer coisa: se você caísse, se te xingassem, se tomasse bronca, se apanhasse, se batesse em alguém e estava fingido que tinha apanhado etc. Chorar era natural. Seu rosto ficava vermelho, você soluçava, a boca dava aquela tremida de celular em vibracall e rolava água dos seus olhos. Dali dois minutos você estava bom, todas suas funções corporais funcionavam outra vez e você saía do supermercado com seu chocolate.
Mas depois de tantas primaveras… como a sociedade procurar reprimir todos os impulsos na fase adulta – principalmente os sexuais e aquela delícia que é arrancar meleca do nariz e passar em portão na rua – chorar não fica bem para adulto, então desenvolvemos aquele choro tímido, o choro-fungada, uma coisinha discreta que vai permitir aos outros, no máximo, perguntar quem morreu. Quando adulto chora igual criança faz uns barulhos tipo “huahuahãaaa” e “rururu”, e você se pergunta se o vizinho não deixou a Tv ligada muito alto no Discovery Channel.
vá gostar de assistir Nat Geo nessa altura em outro prédio, pelo amor de Deus
#3 Dormir tarde
Quando você era criança… teve aquela fase em que dormir tarde depois da meia-noite só no Natal e no Ano-Novo, e se isso acontecia por acaso durante um dia comum, você chegava todo orgulhoso contando a seus amigos na escola que filme passou no Intercine, como se fosse um super-poder. Mais para frente, vem a fase combo Internet+Videogame+Cine Band Prive, quando você dormia tarde, acordava mais tarde ainda e, em algum momento disso, ouvia seus pais dizendo que ficar olhando pra tela com a luz apagada fazia mal pra vista
Assistir BBB, de qualquer distância, faz mais mal ainda, pro corpo inteiro
Mas depois de tantas primaveras… durma depois da meia-noite numa terça-feira e veja se você não fode sua semana até a sexta. É pedir para operar em modo de segurança até o fim de semana seguinte. Crianças têm um orgulho heróico em dormir pouco – adultos só têm dor de cabeça e náuseas.
#2 Correr
Quando você era criança… não podia ver uma reta e saía correndo; pessoalmente, eu gostava bastante de corredores de supermercado, mas também aproveitava saída de intervalo e ida ao bebedouro na educação física. Você subia morro só pelo prazer de descer correndo, e seu estilo lembrava muito o de um touro que resolveu que já estava de saco cheio do toureiro.
Mas depois de tantas primaveras… seu corpo se recusa a correr porque a situação não ajuda. Primeiro, você jamais corre por prazer, mas para evitar levar no nariz, principalmente atrás daquele ônibus resultado de telesena, que só aparece de horaem hora. Depois, você nunca tem um vestuário adequado para correr nessas horas. Adulto está sempre segurando alguma coisa: uma pasta, uma sacola de compras, uma bolsa, uma criança, os próprios peitos etc. Assim, você nem chega a correr, mas a se segurar todo e empurrar seu corpo pra frente com mais força que o normal. E quando parar, suas pernas vão tremer, o suor vai descer da sua testa e você vai respirar como Darth Vader até o dia seguinte.
Isso sem contar que sempre alguém vai gritar "corre Forrest, corre" para você
#1 Cair
Quando você era criança… correndo e pulando desse jeito, claro que uma hora a gravidade não ia te perdoar e você ia acabar fazendo extração de siso no pátio da escola. Você podia decidir qual machucado queria, era só escolher o chão: piso de casa e de garagem dava hematoma; grama e terra davam esfolada, e o favorito da molecada, a quadra de cimento de futebol, que dava aquela limpeza intravenal de couro do joelho. Você caía, rasgava seu shorts, ouvia um sermão da sua mãe pra ter mais cuidado e depois ganhava um demão de mertiolate, que só servia mesmo para arder e dar a impressão de que você deu uma joelhada na boca de um palhaço.
E depois de tantas primaveras…é mais fácil um adulto se recuperar de uma demissão em um país em crise do que de um tombo. Na infância, você podia cair em qualquer lugar e logo tava em pé; adulto cai se segurando em porta de armário e alguém precisa ajudar a levantar, porque aquele tombinho de nada quebrou sua perna esquerda e ainda esfolou seu braço na maçaneta.
Mas pelo menos ainda não ficamos idosos. Vocês sabem, quando um velhinho cai, o corpo dele materializa um osso novo chamado bacia, só para quebrá-lo.
Vovó quebrou a bacia, de acordo com uma criança de 5 anos.
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Vinício dos Santosé um renomado ninguém. Volta e meia é confundido com outras pessoas, as quais ele só pode pedir desculpas e desejar melhoras. É o idealizador e quem mais posta no Puxa Cachorra!, o que revela muito sobre ele, e ainda mais sobre os outros membros. Escreve também para o Coisas Crônicas e é autor do romanceExplo - pedra e picaretagem.